“Assumi a secretaria de turismo este ano e estou perdido. É COMTUR, IGR, associação, prefeitura… por onde eu começo?”. Essa é a angústia de muitos gestores públicos e empreendedores que se veem em meio a um emaranhado de siglas e funções no turismo.
Sem clareza sobre o papel de cada um, o trabalho se perde em reuniões improdutivas, sobreposições e expectativas desalinhadas, travando o desenvolvimento do setor.
A verdade é que essa confusão é a norma, não a exceção. A gestão do turismo é uma engrenagem complexa, e entender quem faz o quê é o primeiro passo para o sucesso.
Neste artigo, procuro desmistificar essa estrutura e esclarecer de forma definitiva o papel da Secretaria de Turismo, do Conselho Municipal (COMTUR), da Instância de Governança Regional (IGR) e do setor privado.
Mais do que definições, traremos a visão de quem vive a prática e entende que, antes de qualquer CNPJ, existe um CPF.
O papel da Secretaria de Turismo
A Secretaria (ou Diretoria) de Turismo é o órgão do poder público responsável por induzir e articular as políticas para o setor. Seu papel, no entanto, vai muito além de organizar eventos. Aliás, eu sou uma crítica em relação a SETUR se tornar uma empresa de eventos.
A primeira batalha é interna
O primeiro e talvez maior desafio de um gestor público de turismo é convencer seus próprios pares dentro da prefeitura. É preciso “gastar saliva” para defender a importância da pasta nas reuniões de primeiro escalão e garantir que o turismo seja pauta prioritária junto às secretarias de Obras, Finanças, Educação, Meio Ambiente, entre outras.
O período de adaptação
É crucial entender que um novo gestor leva, em média, de 6 a 8 meses para compreender o terreno onde está pisando, as dinâmicas políticas e como fazer as coisas acontecerem. Habilidades essenciais como entender de orçamento público e licitações não são ensinadas na faculdade – são aprendidas “trocando o pneu com o carro andando”.
Preparando o terreno
A prefeitura não é dona de hotel, de restaurante ou de agência. Quem opera e entrega a experiência ao turista é o setor privado. O papel da Secretaria é preparar o terreno, garantindo:
- Infraestrutura básica (estradas, acesso, estacionamento).
- Sinalização turística eficiente.
- Segurança e limpeza dos espaços públicos.
- Fomento através de legislação de incentivo.
- Promoção institucional do destino.
O papel das associações e do empresariado
Se a prefeitura prepara o terreno, é o setor privado quem constrói a casa. O associativismo é a ferramenta mais poderosa para que isso aconteça de forma organizada.
- De concorrentes a parceiros: o turismo em uma cidade não avança enquanto os donos de hotéis e restaurantes se enxergarem apenas como concorrentes. A mentalidade precisa mudar para a de parceria e complementaridade. Uma associação forte (seja de hoteleiros, guias, ou um núcleo de turismo dentro da Associação Comercial) une os interesses do setor e amplifica sua voz.
- A força do coletivo: um empresário sozinho, pedindo atenção, é apenas uma voz no oceano. Um grupo unido tem força para dialogar com o poder público, negociar demandas, propor soluções e construir projetos em conjunto. É o associativismo que garante que o setor privado tenha um assento relevante nas mesas de decisão.
O papel do COMTUR
O Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) é o principal espaço de governança no município. É um colegiado que representa os três setores da sociedade: público, privado e terceiro setor.
- O que ele é: um fórum de debate, deliberação, proposição e fiscalização das políticas de turismo.
- O que ele não é: um “leitor de atas” ou um clube para tomar café. Reuniões sem pauta, sem plano de ação e sem encaminhamentos enfraquecem o conselho e desestimulam a participação.
- Diferencial Chave: o COMTUR não possui CNPJ. Ele é um órgão consultivo e deliberativo vinculado à estrutura da prefeitura, com força política para influenciar decisões.
- A questão da presidência: a escolha de um presidente do setor público garante alinhamento com a gestão, mas traz o risco da descontinuidade a cada troca de governo. Um presidente do setor privado pode garantir a continuidade das ações, desde que seja um líder engajado e com apoio dos demais membros. Não há resposta certa, depende do contexto e da maturidade do grupo.
O papel da IGR
A regionalização não é uma ideia nova. Ela foi consolidada no Brasil a partir de 2003 com o Programa de Regionalização do Turismo (PRT), que entendeu que o turista não vê fronteiras municipais. A Instância de Governança Regional (IGR) é a materialização dessa ideia.
- O que ela é: um colegiado regional, também com representação dos três setores, que articula o turismo entre vários municípios de uma mesma região turística.
- Diferencial chave: diferente do COMTUR, muitas IGRs possuem CNPJ e funcionam como associações sem fins lucrativos. Isso permite captar recursos, firmar convênios, contratar serviços e executar projetos em escala regional, algo que um COMTUR não pode fazer.
- Atenção: uma IGR não é uma “Associação de Municípios” (como AMUNESC, AMFRI, etc.). As associações de municípios são compostas apenas por prefeitos (poder público), enquanto a IGR deve ter a participação ativa do setor privado e terceiro setor.
A visão 360: antes do CNPJ, cuide do CPF
Por trás de todas essas siglas, Secretaria, COMTUR, IGR, Associação, existem pessoas. E aqui reside o segredo que muitas vezes é ignorado: não existe CNPJ forte sem CPF forte.
Um negócio, um conselho ou uma secretaria não prospera se as pessoas por trás dele não estiverem bem. Problemas pessoais, falta de saúde mental, conflitos familiares ou desmotivação impactam diretamente a capacidade de gestão e empreendedorismo. Antes de criar um plano de ação para o negócio (CNPJ), é preciso olhar para o ser humano (CPF).
A gestão do turismo deve ser 360°, olhando simultaneamente para quatro pilares:
- O Empreendedor/Gestor (o CPF): O ser humano no centro de tudo.
- O negócio (o CNPJ): A empresa ou o órgão público.
- O cliente (o Turista): Para quem tudo é feito.
- O Território: O destino que se quer desenvolver.
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Organizando o tabuleiro
Entender o papel de cada um no turismo é como organizar as peças em um tabuleiro de xadrez. Quando a Secretaria, o COMTUR, a IGR e o empresariado sabem exatamente como e onde devem se mover, o resultado é um sistema coeso, com planejamento, execução e continuidade.
Se você se sente perdido, comece pelo básico: estude, dialogue e, principalmente, participe. Os espaços de governança existem para serem ocupados por quem está disposto a construir coletivamente.
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